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Mudar de vida

por ss, em 13.11.11

Por vezes dou por mim a pensar como seria a minha vida se tivesse seguido outros caminhos que não este que optei seguir. Imagino-me então noutra cidade, com outros amigos, com outras realidades, com experiências diferentes certamente. No entanto, no meio de todas estas possibilidades, surge como que inevitavelmente uma pergunta: será que estaria mais feliz?

 

Tudo na vida tem pelo menos duas faces, e é por isso, que temos momentos bons e momentos menos bons. Eu estava a atravessar um momento menos bom da minha vida, quando sem esperar surgiu a oportunidade de mudar tudo isso, e simplesmente transformar todo o meu mundo envolvente num outro mundo.

 

Era sexta-feira! O último dia de uma semana desgastante, cansativa, horripilante, em que tudo de mau aconteceu. Um trabalho que não foi entregue a horas, uma frequência feita sem o tempo suficiente de estudo, uma discussão violenta com os meus pais sobre saídas, compras e dotação orçamental, e por fim, um vazio incompreensível que ia crescendo exponencialmente. Era sexta-feira e não me apetecia ir para casa, porque isso significava enfiar-me no meu quarto minúsculo e ficar impávida a olhar para quatro paredes. Por isso, preferi simplesmente caminhar, sem destino definido e sem traçar qualquer caminho mentalmente para seguir. Decidi meramente deixar as minhas pernas terem vontade própria. Deixei-as seguir o rumo que elas queriam, mas, mesmo perante esta liberdade, elas não me levaram muito longe. Levaram-me ao sítio de sempre, aquele onde me perco a pensar nos ses da vida. Sentei-me então de pernas cruzadas, e fiquei simplesmente a contemplar o horizonte. A noite já tinha caído, e não havia ninguém à minha volta. O chão estava frio, assim como era frio o vento que me tocava de mansinho na face.

 

“Apetecia-me tanto que tudo isto fosse diferente!”- pensava eu, no momento em que reparei que algo luzia ao fundo do horizonte. Era uma estrela! Uma estrela muito brilhante diferente de todas as outras. Sorri para ela, na esperança que me retribuísse o sorriso. Não retribui, ao invés disso, começou a falar comigo.

 

“Porque estás triste?”- perguntou-me.

 

Belisquei-me para ter a certeza de que não estava a dormir, senti o belisco. Comecei então a duvidar do meu estado mental, desde quando é que as estrelas falam?

 

“Não respondes? Tens medo de mim?” – retorquiu a estrela brilhante.

 

Perante esta insistência, e porque também mais ninguém me estava a ver e por isso, ninguém me ia achar maluquinha, respondi:

 

“Estou triste porque tudo na minha vida me corre mal.”

 

“Que visão tão pessimista. Eu tenho acompanhado o teu percurso e acho que não é assim tão mau.” – disse-me a estrela.

 

“Que sabes tu da minha vida? E, aliás, quem és tu?” – perguntei eu intrigada.

 

“Eu sei tudo sobre ti, e acho que devias dar mais valor ao que tens. De qualquer maneira, vim para cumprir uma missão. Reparei que estavas triste, e que querias que a tua vida fosse diferente. Pois bem, eu posso mudar a tua vida, neste instante, num segundo. Basta que mo peças agora! Mas, aviso-te desde já, que uma vez feito o pedido, não mais poderás voltar atrás.”

 

Perante isto, senti que por momentos o meu coração deixou de bater. Deixei de sentir o vento soprar-me ao ouvido, deixei de sentir o chão frio. Era como se por momentos o tempo tivesse parado, e só existisse aquele pedaço da realidade: eu, a estrela, e uma decisão a tomar.

Impulsivamente, como só eu costumo ser quando não devo, decidi sem mais:

 

“Eu quero que mudes a minha vida.”

 

E de repente o chão abriu-se debaixo de mim, e eu ia caindo vertiginosamente por um buraco profundo em espiral. À medida que ia descendo, via as imagens dos meus pais, dos meus amigos, a minha escola antiga, a minha faculdade, a minha terra, a minha nova cidade, numa espécie de película de filme. Tudo aquilo me soou a despedida.

 

Acordei numa cama de princesa. Num quarto enorme, daqueles que mais parecem um apartamento. Alguém bateu à minha porta e entrou pelo meu quarto fora:

 

“Menina, a sua mãe mandou acordá-la. Ela quer que a acompanhe às compras. O seu paizinho também a espera para tomar o pequeno-almoço.”

 

Não podia ser. Era tudo verdade. Estava numa outra vida. Tinha o quarto com que sempre tinha sonhado, com uma varanda enorme e uma vista sobre campos verdes, tinha uma empregada, e uma casa enorme. Comecei a preparar-me para descer, quando, parei junto do guarda-fatos e reparei nas fotografias colocadas nas molduras. Quem eram aqueles seres? Quem eram aquelas pessoas que me acompanhavam nos retratos? E onde estavam as fotos com os meus pais, com os meus amigos, com o meu irmão? Caí em mim, e então percebi. Estava mesmo numa outra vida. Não consegui conter as lágrimas de tristeza. Senti-me completamente perdida, apetecia-me gritar e rasgar tudo. Apetecia-me voltar atrás. Sempre que me imaginava num outro mundo fazia-o tendo sempre presentes as pessoas do meu verdadeiro mundo.

Aninhei-me nos lençóis, tapei-me e fiz um esforço para adormecer.

 

“Então dorminhoca, acorda, são horas!”

 

Era a voz da minha mãe. Uma alegria apossou-se de mim. Abracei-a como se não houvesse amanhã. Tudo não passara de um pesadelo!

 

Texto escrito para a Fábrica de Histórias

 

 

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